top of page

 blog 

Foto do escritorSarcasmos Irónicos

"A Última Estação" - A natureza mórbida da vida segundo Elmano Sancho (by Alexandre Sebert)

Atualizado: 4 de jul. de 2018


Elmano Sancho, ator de sucesso que entrevistamos neste artigo

“Achas que sou parecido contigo?”…


Esta seria a grande questão que o ator Elmano Sancho, recentemente indicado aos Globos de Ouro, colocaria ao icónico serial-killer dos anos setenta Ted Bundy. Fascinado pela sua horrenda, mas colossal habilidade de transgressão, o artista português traz a tão chocante, íntima e sensacional dilaceração artística do assassino para palco entre os dias 16 e 18 de Julho deste ano no Festival de Almada (Lisboa). Esta peça de teatro da sua própria autoria, intitulada de A Última Estação, surge como uma masterpiece de Elmano, considerado pela crítica e pelo público como um dos melhores atores da sua geração e com uma ampla carreira internacional. Desta forma, é-nos anunciado que continuará recetível ao público em digressão nacional e, muito provavelmente, internacional, a partir de 2019.

Elmano Sancho, portador de um nome difícil de esquecer, é um belo exemplo europeu de como o esforço, dedicação, luta, versatilidade e amor pela vida e pelo trabalho fazem parte da rotina de um ator profissional. Tendo o mesmo já pisado palcos em Portugal, Espanha, França, Itália, Bélgica, Brasil, Irão, Japão e Turquia, para além de ter tido o ilustre privilégio de pertencer ao elenco da Comédie-Française, este aclamado artista entregue ao teatro e cinema é também licenciado em economia pela Universidade do Porto e licenciado em tradução pela Universidade Nova de Lisboa.

Nascido em Paris, uma verdadeira alma sem limites nem fronteiras, pensou que os números seriam a sua fortuna, mas a sua delicada veemência logo despertou o seu jovem desejo de dar vida às palavras. Dotado de uma consciência corporal nata, vestiu diversos papéis ao longo da sua carreira, continuando a encantar o público e os críticos ao redor do globo terrestre. Porém, não é a fama repleta de luxúrias e ostentações que o motivam, pelo contrário, este autêntico apreciador de arte sente-se realizado ao ser reconhecido pelo seu trabalho árduo e vigorosamente extraído do seu complexo interior humano.

Não obstante, certamente muitos de nós não tem conhecimento sobre quem é Ted Bundy, contudo deduzo que já tenhamos visto alguma imagem sua ou referência cinematográfica em diversos meios de comunicação, porque para além das polémicas que causou, também serviu de inspiração para as memoráveis personagens Hannibal Lecter (The Silence of Lambs) e Patrick Bateman (American Psycho). No entanto, apesar desta figura estar nitidamente ligada aos escombros e podridão da morte, continua a ser um marco "pop" e científico na cultura norte-americana. Com 30 vítimas contabilizadas, todas mulheres, Theodore Robert Cowell, popularmente conhecido como Ted Bundy, ficou mundialmente famoso não só pelas suas tropelias noturnas e assassinatos em série, mas essencialmente pela sua persona bastante dissimulada e peculiar. E embora a sua presença fotográfica responda por si, quando questionado sobre quais as palavras que melhor definem Ted Bundy, Elmano genuinamente respondeu: “Carismático!”, e, após uma breve hesitação surgiu-lhe um adjetivo crucial para a formação de qualquer apresentação deste criminoso: “Camaleónico!”.

Encenador de Misterman, de Enda Walsh, em 2014, e honrado com o prémio de melhor ator de teatro pela Sociedade Portuguesa de Autores no mesmo ano, Elmano Sancho não poderia descrever melhor este homicida: “Um criminoso atraente, elegante e inteligente, com o poder da palavra, a retórica, algo muito importante no teatro; com um olhar atrativo, mas perturbador, ao mesmo tempo com um sorriso encantador e com um poder de sedução grande e uma pessoa que soube aprender a adaptar-se perfeitamente às situações”.

Foi numa tarde ensolarada que Elmano, reluzindo a sua simplicidade autêntica e desprovido de complexos, me esclareceu sobre quais as origens deste seu projeto. Curiosamente, as provas irrefutáveis que derrotaram Ted Bundy em tribunal foram as suas caraterísticas físicas. As mesmas que despertaram obscuramente uma das mais cintilantes ideias de Elmano. Precocemente fascinado pelo mistério da morte, os estreitos caminhos abismais da loucura e da sanidade, as aberrantes transgressões que a mente pode provocar e tanto o terror intelectual como o sensorial, este ator de corpo e voz presentes permitiu-se ser encantado, como muitas vítimas, pelo envolvente e catártico assassino. Mas Elmano não teve o infortúnio de conhecer Bundy pessoalmente a sós, apenas se auto-abençoou com a motivação certa para mergulhar na sua existência. E desse universo tão gélido e tão infernal retirou vorazmente o que necessitava para dar vida a uma peça capaz de estremecer com a sensibilidade do público. Este intérprete não tem um ventre feminino, porém teve a força e lealdade profissional de extrair quinze cenas escritas pelo mesmo durante a sua gestação intelectual e artística como só um talentoso, inteligente e profissional artista consegue fazer.

Verdadeiro galã, quatro vezes indicado aos Globos de Ouro, assume que o ponto de partida para este projeto foram determinadas semelhanças físicas, nomeadamente o maxilar, o nariz e por vezes o olhar entre Ted Bundy e Elmano Sancho, observadas pelo próprio. Certa vez, como por brincadeira ou intervenção do destino, alguém proferiu estas palavras a Elmano: “Estás muito bem nesta fotografia”… Mas essa não era uma foto do ator, mas sim uma captura fotográfica do emblemático serial killer. Daí, considerou que o elo entre o seu fascínio pela mente humana, a perversão e estas recentes semelhanças poderiam ser um interessante ponto de partida para questionar acerca da transgressão.

Detentor de uma excelente articulação vocal e intelectual, Elmano esclareceu-me: “A transgressão só é possível na vida ou através da arte ou então através da violência, mas esta é punível por lei. É por isso que nós somos artistas: porque procuramos uma forma de transgressão. Então achei que havia uma ponte que pudesse ser estabelecida entre a criminalidade e o teatro, visto que esta também contém alguma linguagem própria do teatro. Como staging, coaching e signature; a assinatura de cada criminoso. E por outro lado, existe uma transgressão. Também uma persona que eles assumem na altura do crime. Então, estou a questionar este universo entre a ficção e a realidade”.


Na foto esquerda temos Elmano Sancho, ator que representará Ted Bundy (na foto da direita)

Apesar de ser uma pessoa bastante discreta e, se me é permitido dizer, contida socialmente, Elmano Sancho apresenta uma ternura própria provocada pela sua autêntica simplicidade e sensibilidade aguçadas, captando a nossa atenção para o seu discurso erudito apetecível. Desta forma, explicou-me que a estrutura dramatúrgica e cénica deste espetáculo é a Paixão de Cristo. Ou seja, são as catorze estações da via-sacra juntamente com a mais recente introduzida pelo Papa João Paulo II: a Ressurreição. Por isso é que esta peça se chama “A última Estação”. São quinze estações no total equivalentes às quinze cenas deste projeto. Visto isto, Elmano anunciou-me: “A Paixão de Cristo começa com a condenação à morte e acaba com o sepulcro de Jesus. Por outro lado, este espetáculo vai começar com a condenação à morte de Ted Bundy. Eles próprios foram mortos: Ted Bundy na cadeira elétrica e Jesus crucificado. (…) Então é um espetáculo sobre transformação, sobre paixões. Sobre transgressão, sobre dor e sofrimento. E sobre solidão também: são homens carismáticos e solitários de certa forma. São homens que moveram a atenção para eles. Jesus Cristo obviamente como expoente máximo, mas Ted Bundy também conseguiu uma legião de admiradores, de curiosos e seguidores”. “Coloco juntos santo e criminoso. O grotesco, a violência com a pureza, o divino”, finaliza.

E como o próprio ator menciona relativamente ao seu papel: “Às vezes sou o Ted Bundy, às vezes sou o Elmano… Eu sou todos e não sou nenhum”!

De forma a obter a legitimidade de expor determinadas falas e argumentos às quais só o próprio assassino teria acesso internamente, o ator irá usufruir, embora de forma fictícia, de uma prática judaica denominada dibbuk. Esta consiste numa incorporação de um espírito mau que o ajudará a purgar toda a violência contra a sociedade e aspetos que o incomodavam. Por outras palavras, e confiando no trabalho de Elmano, assumo que teremos a maldade sedutora em palco.

Um facto interessante abordado pelo mesmo é que, caso este espetáculo começasse com a condenação à morte e terminasse com a sepultura, não haveria esperança. Então Elmano garante que irá terminar com a ressurreição. Estas quinze cenas trabalhadas e escritas pelo protagonista visam restabelecer a esperança que o ser humano procura na sua vida através da ressurreição.

Creio que Elmano, com toda a sua experiência e técnica avançadas, conseguirá criar metamorfoses com a realidade, talvez porque o próprio aprendeu a desenvolver uma excelente empatia pelo mistério e pelos seus portadores, mas também porque a dilaceração artística do serial killer espelha uma dilaceração surreal das entranhas mais podres e viscosamente nojentas dos vícios e pragas da sociedade. Diz-se que o melhor método de avaliação de uma comunidade faz-se a partir da taxa de criminalidade que a mesma contém. Assim sendo, expor a verdade tão íntima de Ted Bundy representa uma valente machadada nos ilusórios bons costumes sociais. E tal como em tempos ocorreu, esta metafórica machadada abre uma brecha para a desmitificação dos malditos estereótipos.

Este homem bem-parecido, charmoso e licenciado, casado e membro da Igreja local arrebatou violentamente com a inocência de muitas famílias tradicionais (e não só) quando um rastro de evidências pertencentes a crimes monstruosos que incluíam violação, sodomia, rapto, homicídio e esquartejamento conduziram as investigações policiais até Ted Bundy. Esta descoberta chocou e escandalizou muitas pessoas como a sua mãe que se manteve em estado de negação durante um longo período de tempo, porém, alguém que parece não se ter surpreendido assim tanto foi a sua esposa Elizabeth Klopfer. A mesma ligou para a polícia em três ocasiões distintas confidenciando conter sérias suspeitas de que o seu marido estivesse relacionado com os crimes que envolviam o desaparecimento de jovens raparigas nos estados de Washington e Oregon (nove vítimas confirmadas), estado de Utah (oito assassinatos confirmados), estados do Colorado (quatro vítimas) e Idaho (dois assassinatos). Em suma, Ted foi julgado por trinta e cinco assassinatos. Mesmo que ninguém tenha certeza do número real, acredita-se que passavam do dobro!

E quantos de nós já não se sentiu traído e enganado por alguém que considerava muito especial ou esquivo de quaisquer suspeitas maliciosas?! Pois bem, este assassino não se limitava a mentiras básicas para encobrir os seus atos e o mesmo é a prova como o mal pode estar disfarçado de figura do bem. Ted Bundy foi diagnosticado como mentiroso patológico e, ao contrário das pessoas “normais” que se limitam a pequenas mentiras básicas, mentirosos patológicos têm uma maior estrutura cerebral, contendo cerca de 26% de matéria branca a mais em relação a nós. E, sendo ele um psicopata, passo a explicar de que se trata a psicopatia: é um distúrbio neurológico que consiste numa deficiência no lóbulo límbico (conjunto de estruturas cerebrais que estão associadas às emoções). Os cérebros dos assassinos têm sempre uma lesão no córtex orbital e outra parte que não parece funcionar bem também é a parte frontal do lobo temporal. Onde está inserida a amígdala, responsável pelas nossas reações se tornarem diferentes das dos animais. Associada à sociopatia, esta representa na perspetiva psicanalítica os portadores de neuroses de caráter ou perversões sexuais. E apesar de a psicopatia ser muito mais frequente nos indivíduos do sexo masculino, também atinge as mulheres. Como no caso das serial killers Aileen Wuornos, Dorothea Puente e Katherine Knight, por exemplo.



Em todos os serial-killers foi encontrado um gene guerreiro (MAO-A) capaz de modificar as estruturas cerebrais e que é responsável pelos seus comportamentos tão sanguinários e impulsivos, para além de tornar o cérebro insensível ao efeito calmante da serotonina, sendo o terceiro ingrediente para a formação de um perigoso serial-killer o “abuso severo na infância”: o gatilho necessário para ligar o gene guerreiro. Ou seja, o gene só é acionado dependendo da nossa infância("gene-ambiente").

Mas este brilhante estudo parece não se aplicar a Ted Bundy, segundo consta, devido ao último fator. Até porque neste ponto crucial da tentativa de compreensão deste criminoso, Elmano expõe o seu entender: “O Ted Bundy é muito interessante, porque ele não tem nenhum perfil do que nós procuramos nos serial-killers. Ou seja, não foi violentado, abusado sexualmente, nem sofreu de bullying. O seu único evento desfavorável foi o facto de ter sido criado pelos avós, acreditando ser seus pais, enquanto que a verdadeira mãe era a sua suposta irmã e ele não sabia, tendo depois descoberto. Ele próprio diz que não teve nenhum passado traumático que justifique ter-se tornado serial-killer e isto é a parte mais interessante dele até, porque há muitos que tiveram e podemos encontrar uma causa-efeito, mas nele não!”

Este jovem com certeza teria toda a capacidade de trepar até ao topo da hierarquia norte-americana. Ralph Munro, cinco vezes secretário do estado de Washington, disse certa vez: “era sempre um prazer falar com ele. Pensávamos que ele teria um futuro brilhante”. E foi Anne Rule, autora do livro “The Stranger Beside Me”, quem exprimiu a sua crença passada acerca de um possível Ted Bundy governador de Washington, caso este não enveredasse pelo caminho, sem volta, do crime. Perspicaz, autónomo e culto o suficiente para se auto-defender em tribunal, assumindo o papel de seu próprio advogado, Bundy recebeu espantosos elogios da parte da imprensa e do juiz. Este último dirigiu-lhe tais benditas palavras em plena audiência: “Seria um advogado brilhante”.

Desde cedo demonstrou bastante inteligência, sendo uma pessoa pragmática e com fácil capacidade de aprender. No entanto, no requisito de inteligência emocional, este não demonstrava deveras a mesma habilidade. Solitário por vontade própria e descrito como imaturo por ex-companheiras, manifestava descontentamento e recusava trabalhar em grupo na universidade. Um aspeto assaz semelhante ao seu julgamento: embora o tribunal lhe fornecesse advogados a seu dispor, Ted preferiu conduzir a sua defesa sozinho. Porém, paradoxalmente, Bundy escolheu psicologia como seu primeiro curso ao qual se manteve devoto durante apenas três turbulentos anos. E uma das principais premissas da psicologia, essencialmente na positiva, baseia-se na felicidade grupal, ou seja, a nossa felicidade depende da relação que estabelecemos com os que estão ao nosso redor.

Penso que este assassino tenha tido uma considerável noção do comportamento e mente humana. A Psicologia é sem dúvida uma das ciências mais complexas e interessantes à face da terra. Mas foi a sua impaciência para assistir às aulas que levou Ted Bundy a desistir do curso, talvez porque, fora da faculdade, o assassino engajou-se em alguns empregos e em alguns namoros de pouca duração. O mesmo envolveu-se com a política, tendo-se tornado um militante promissor do partido republicano, mas, após o rompimento com Stephanie Brooks, o seu primeiro relacionamento mais sério, em 1969 voltou para o estado de Washington para se formar em direito, e, tendo conseguido concretizar o seu desejo em 1972, foi eleito um dos melhores alunos.

Com certeza Direito e Política deveriam ter sido as áreas que este indivíduo tão particular deveria ter seguido com afinco e paixão. Deste modo, poderia ter evitado um rumo tão sombrio, mas, quando nem nós nos conhecemos bem nem temos alguém que nos guie, as nossas escolhas podem ser devastadoras e, ou nós assumimos o controlo da nossa vida ou permitimos que a nossa obscuridade e confusão arruínem o nosso futuro e o futuro deste brilhante aluno e idealista foi totalmente suprimido pela sua solidão arrepiante e instabilidade mórbida. Lamentavelmente…

Mas, apesar de tudo, Ted Bundy foi um homem devoto à vida. Ao contrário de muitos depressivos, necrófilos da própria morte, Bundy considerava-se demasiado e o seu orgulho e ímpeto naturais não permitiam que a sua integridade desmaiasse. Era alguém realmente de desejos e emoções fortes… Esse seu instinto de sobrevivência atroz permitiu-lhe escapar da cadeia e matar novamente, incluindo a sua última vítima de 12 anos Kimberly. Ele não pôde esconder o seu lado animalesco, pois estava no seu sangue esta vontade de escapar, de caçar, de provocar, de possuir, de explodir, de morrer, de renascer, de sorrir…


Ted Bundy

Reprimir a nossa Natureza só nos sufoca. E eu acredito que nós podemos controlar os nossos atos, mas os nossos sentimentos, desejos e pensamentos, por mais que sejam aberrantes ou monstruosos, não devem ser tão insuportáveis ao ponto de fazer alguém desistir da vida. “Monstros” também são humanos acima de tudo. Ninguém é totalmente bom ou totalmente mau… Mas há pessoas que trabalham mais a bondade e outras que trabalham mais a maldade. Eu não consigo atribuir total culpa a alguém sedento por matança como o Ted Bundy, porque defendo que nós somos fruto de fatores internos e externos. E só a pessoa que sente na pele os fatores externos pode denominar o tamanho da dor e confusão. Bundy era um predador sexual, mas até que ponto posso ter a legitimidade de julgar a sua pessoa ou a sua patologia?! Creio que a incompreensão que sentia da parte dos que o rodeavam e a sua angústia existencial tenham sido os mecanismos mais latentes que despertaram toda a sua pérfida revolta contra o mundo. Os seus homicídios traduzem uma proibida incorporação divina: Ted Bundy em algum momento necessitava sentir-se alguém tão admirado e máximo como Deus; ele teria o poder de tirar a vida a uma vítima inocente. A este feito tão desnaturado e mortal os alemães alcunham de Lustmord: matar exclusivamente por puro prazer.

As suas exéquias tratavam-se de simplesmente largar o corpo ao relento… Em doze casos decapitou as vítimas e exceto duas delas foram atraídas para o seu célebre Volkswagen Beetle branco de 1968 com o pretexto de boleia. Mas estas boleias juvenis tinham um alto preço: vidas. Estacionados num local isolado e instalado um ambiente aterrorizante, Bundy atacava vorazmente as raparigas para as violar. De seguida, cessava a respiração da vítima através do estrangulamento, tendo o próprio admitido empolgar-se nesse momento impiedoso. Após a morte, praticava necrofilia com o cadáver e nos dias seguintes voltava ao local do crime para apreciar o estado de decomposição e até mesmo para saciar a sua libido…

Sequestrar, violar e matar talvez sejam os piores crimes à face da terra e, se isolados já deplorável e hediondo o são, culminados formam uma prática macabra e desumana.

Sim, é difícil acreditar que existem pessoas tão vis, mas são os seus desvios psicológicos e emocionais que fazem com que o assassino lide tão bem com os seus crimes e transportar toda esta ininteligível essência para palco é um trabalho que requer muito esforço psíquico, pois é como palrar inocentemente insuportáveis e cruéis verdades no limbo da hipérbole. Sobre isto Elmano diz: “O que me interessa realmente no trabalho é o poder de transgressão que eles têm. Eles têm a coragem de transgredir e obviamente é punível por lei. Mas a nossa única forma de transgredir é através da poesia, da arte. Tudo é possível, morremos e ressuscitamos no palco. Na vida real isto não acontece”. “Na realidade nós não conhecemos as pessoas… As pessoas têm máscaras sociais no dia a dia. Agora, até onde é que vamos?! Isso faz parte da Natureza de cada um”.

Por fim, apesar de todas as suas brilhantes e desesperadas tentativas de evitar a pena de morte, o serial-killer que se ofereceu para objeto de estudo de modo a traçar perfis psicológicos de outros criminosos, e tendo conseguido alguns adiamentos, após uma década no corredor da morte, foi finalmente executado na cadeira elétrica em 1989. Mas a execução deste psicopata, que assumia que as suas vítimas vulneráveis pediam para ser mortas por ele internamente, foi bastante aguardada e aclamada pelos norte-americanos sedentos por justiça!

Bizarramente, quando abordamos a temática da morte, questionei Elmano sobre quais as questões que colocaria a Bundy caso este renascesse. E entre risos expôs: “Achas que sou parecido contigo?”… De seguida, pensativo e confiante, declarou intrigantemente que gostaria de perguntar ao serial-killer qual foi a sua última imagem na morte e como foi a sua experiência na cadeira elétrica. Para além de: “Deus existe?”.

Para finalizar com chave de ouro, além de ter citado uma das suas frases favoritas da escritora Clarice Lispector (“todo o adulto é triste e solitário”), remetendo para o universo pessoal e interno de cada ser humano, este reconhecido ator e encenador contou-me: “Eu considero que o meu trabalho está de certa forma sempre ligado à questão da morte. Nós criamos personagens e nós matámo-las. A morte figurada, algo que nós artistas sabemos o que é. Tudo o que é misterioso e que nós não conhecemos é mais interessante para desenvolver. Quando se transforma em borboleta, a larva morre; ela transforma-se”.

“A vida só é vida porque há morte; a morte só é morte porque há vida. E a tragédia é exatamente essa… Sabemos que desde que nascemos caminhamos para a morte”.

Eloquente e discretamente envolvente, Elmano Sancho proporcionou-me um inesquecível momento de partilha de conhecimentos e emoções humanas. E a sua generosidade e agradável companhia aumentam a minha estima e orgulho por si, pois este ator dos palcos do mundo afora e pessoa simples e trabalhadora que é, é a prova de como o esforço, dedicação e aceitação rendem os mais honestos frutos do sucesso.

Relativamente a este seu inovador e épico projeto, para pincelar literáriamente os confins execráveis da vida do serial-killer como se de um investigador forense se tratasse, Elmano irá elevar este ceifador de vidas inocentes ao seu apogeu. Estudo e empatia são as palavras-chave para esta descodificação de mistérios em que poucos se atrevem a mergulhar, a transformar e a expor em forma de arte.

Dito isto, parabéns Elmano pela sua real contribuição artística neste mundo tão alternativo e complexo.


Foto que captou esta entrevista com Elmano Sancho

282 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page